Por que a cannabis ainda não está regulamentada para uso veterinário?
Apesar dos estudos e casos que comprovam os benefícios em algumas enfermidades, questões legislativas atrapalham o avanço da pauta no Brasil
Os canabinoides, compostos extraídos da cannabis, têm desempenhado um papel cada vez mais importante na medicina veterinária. São diversos os casos em que tutores relataram melhoras significativas em seus animais de estimação com o uso medicinal dos derivados da planta.
Casos reais
Em Valinhos, interior de São Paulo, Tatiane Santos e Paola Fernandes, fundadoras da Família Haux, o primeiro clube de cannabis medicinal do Brasil, estão proporcionando uma revolução na qualidade de vida de pacientes com o uso da cannabis. Inspiradas pela espiritualidade e motivadas por experiências pessoais, elas criaram um espaço que visa tornar mais acessível o tratamento com o CBD (canabidiol) para qualquer pessoa com prescrição médica.
A jornada da Família Haux começou durante uma viagem a São Thomé das Letras (MG), onde Paola, lutando contra crises de ansiedade, encontrou alívio no Canabidiol (CBD). Surpreendentemente, o tratamento também beneficiou o cachorro do casal Tyller, que se recuperou notavelmente após receber o óleo dos derivados da planta para tratar ferimentos nos olhos.
Outro caso que também chamou atenção foi o da gata Marie que, tutelada por Bárbara Caldeira e sua tia Cristina Caldeira, enfrentava crises respiratórias devido a uma rinite alérgica crônica desde o início de sua vida.
Com dificuldades para respirar devido ao narizinho curto, Marie estava sofrendo e com dificuldades para realizar atividades cotidianas. Após tentativas terapêuticas sem sucesso, o veterinário recomendou o uso de óleo de CBD como alternativa de tratamento. O resultado foi notável, com Marie recuperando seu apetite, ganhando peso e se tornando mais ativa em apenas um mês de uso.
Apesar da relutância da gatinha em relação à textura do óleo, ela é recompensada com petiscos, tornando o tratamento um sucesso e melhorando significativamente sua qualidade de vida.
Contudo, mesmo com casos reais que demonstram os benefícios da cannabis na prática clínica, uma regulamentação do uso veterinários dos compostos da planta parece distante.
O desafio regulatório e ético
O uso de canabinoides é frequentemente obscurecido por uma complexa rede de leis e regulamentações. A aprovação médica varia amplamente, levando a uma necessidade urgente de pesquisa adicional para documentar e sustentar seu uso clínico em animais.
Do ponto de vista oficial, no Brasil, os médicos veterinários enfrentam incertezas legais. As resoluções RDC327 e RDC660 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que abrangem a regulamentação de produtos de cannabis para fins medicinais, estipulam que essa prerrogativa é limitada aos profissionais de medicina e odontologia devidamente licenciados por seus conselhos de classe.
Contudo, médicos veterinários afirmam que os compostos da cannabis demonstram eficácia comprovada no tratamento de diversas condições e enfermidades em animais de estimação.
“Na medicina veterinária diversos estudos apontam vantagens para promover o efeito comitiva com uma variedade de fitocanabinoides para efeito analgésico”, explica o médico veterinário Rodrigo Montezuma, presidente do Grupo de Trabalho para suporte técnico na proposta de regulação de substâncias canabinoides para uso terapêutico do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV).
Apesar disto, tanto a Anvisa quanto o Ministério da Agricultura e Pecuária, responsável por gerir questões relacionadas ao CFMV, divergem quanto à responsabilidade de quem deve se responsabilizar pelo uso medicinal da cannabis por parte dos veterinários que, apesar de alguns prescreverem essa alternativa de tratamento, vivem em uma espécie de “limbo” regulatório.
Amplas aplicações
Além de seu papel no alívio da dor e de transtornos respiratórios, os canabinoides também mostraram eficácia no tratamento de condições como câncer, diabetes e retinite pigmentosa, demonstrando sua versatilidade e potencial terapêutico.
Os compostos da cannabis têm se destacado também no tratamento da dor associada à osteoartrite, oferecendo uma alternativa natural para aliviar o desconforto em animais de companhia, tornando-se uma escolha atraente para muitos proprietários de pets.
Décadas de pesquisa clínica
A pesquisa sobre o uso de canabinoides na medicina não é uma novidade, com ensaios clínicos controlados em andamento há mais de duas décadas. Essas substâncias já se mostraram eficazes no tratamento de uma série de problemas de saúde, incluindo cefaleia, febre, infecções bacterianas, diarreia, dores reumáticas e malária.
Devido aos resultados promissores, produtos à base de cannabis, como o dronabinol e a nabilona, encontraram aprovação médica, oferecendo novas opções terapêuticas para pacientes humanos e animais.
Explorando o alívio da dor em animais
Revisões anteriores, concentram-se na análise das características farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos canabinoides, bem como na distribuição espacial de seus receptores. O foco central está no papel desses compostos na modulação da dor em animais de companhia.
Um estudo de 2022 publicado na renomada revista Frontiers in Veterinary Science se propõe a discutir e comparar o efeito analgésico dos canabinoides e extratos sintéticos, bem como aprofundar a compreensão das vias de sinalização do sistema endocanabinoide e o alcance e participação de seus receptores, demonstrando que a cananbis pode sewr uma alternativa promissora no controle da dor de animais de estimação.
“O alívio de dores osteoarticulares e crônicas com o uso medicinal da cannabis, por exemplo, proporciona melhor qualidade de vida e restauram a condição de bem-estar dos animais em tratamento”, afirma Montezuma que destaca ainda que o composto psicoativo Tetrahidrocanabinol (THC), tido muitas vezes como “vilão”, é a substância mais indicada pra dor, sem prejuízo a importância da presença de todos os compostos da planta que regulam o sistema endocanabinoide.
À medida que a pesquisa avança, o potencial terapêutico dos canabinoides na medicina veterinária se torna cada vez mais evidente, oferecendo um vislumbre das promessas e desafios que os canabinoides representam na busca pelo alívio da dor em animais de estimação.
Fonte: João Negromonte – Site SECHAT