Grupo Psiconvet comenta problemas de saúde mental enfrentados por veterinários e tutores de pets
Veterinários e psicólogos formam a equipe que discute a interação de clínicos e tutores em sofrimento pela condição de saúde de seus animais
Atividades profissionais com alta demanda de trabalho, associadas a estresse psíquico crônico, impactam o desempenho laboral e pessoal de qualquer pessoa, independente da profissão. Como os médicos-veterinários são submetidos a intensas rotinas de atendimento e inúmeros fatores estressantes, como lidar com pessoas e perda de pacientes, eles estão entre os especialistas que mais enfrentam dificuldades em saúde mental.
Tendo isso em mente e, principalmente, durante a campanha Setembro Amarelo, que visa a prevenção do suicídio, falamos com integrantes do grupo de discussão composto por veterinários especializados em Oncologia e por psicólogos, Psiconvet. Em conjunto, os profissionais comentam que, além da carga horária elevada e, por vezes, com pouca ou nenhuma autonomia para estabelecer limites em sua própria agenda de atendimentos, como se isso ainda fosse pouco, alguns veterinários ainda têm de lidar com as frequentes solicitações de clientes, em horários extra comerciais, no sentido de fornecer suporte aos pacientes que necessitam de atenção ou orientações técnicas.
Carga horária elevada e pouca ou nenhuma autonomia para estabelecer limites em sua própria agenda de atendimentos são pontos que sobrecarregam o veterinário
“Ainda há de se pontuar os conflitos inerentes no relacionamento com os tutores em angústia e sofrimento pela condição de saúde de seus animais, condição que parece ter ganhado ainda mais relevo após a pandemia de Covid-19. É uma impressão comum, entre nós, veterinários, que os tutores tornaram-se ainda mais ansiosos, exigentes e imediatistas quanto aos seus direitos de clientes”, observam os profissionais.
Neste sentido os Conselhos Federal e Regional de Medicina Veterinária (CFMV/CRMV) têm se preocupado com a saúde física e mental destes profissionais, levando em consideração que, no Brasil, cerca de 32% dos veterinários sofrem algum grau de esgotamento mental no ambiente de trabalho.
Há sinais?
Por conta da complexidade e a singularidade de cada um diante de problemas de saúde mental, é muito difícil estabelecer um rol de sinais que levantem suspeitas quanto à sanidade mental, de acordo com o grupo.
“No senso comum, podemos dizer que manifestações de irritabilidade, fadiga, dificuldade de concentração, cansaço extremo, desmotivação, insônia, negativismo quanto aos resultados de uma ação, sentimento de insegurança, fracasso ou culpa, comportamento depressivo, indiferença e cinismo com clientes, pacientes e, também, colegas de trabalho são indícios que o profissional está com dificuldades para encontrar satisfação, autorreconhecimento e bem-estar em sua prática profissional”, mencionam.
Pode ser ainda pior?
Os veterinários acreditam que a especialidade Oncologia carrega um peso emocional que abrange e fragiliza todos os envolvidos na relação veterinário-cliente-paciente, de forma ainda mais intensa que em outras áreas. “O câncer é uma doença marcada pelo estigma de baixos índices de cura e de tratamentos com efeitos colaterais que geram sofrimento e qualidade de vida questionável. Muitos tutores que procuram um serviço de oncologia para tratar seus pets depositam grande expectativa numa ação milagrosa do médico, bem como na qualidade da relação interpessoal com este profissional, mas, infelizmente, nem sempre conseguimos atender a estas expectativas”, explicam.
Eles reforçam, ainda, como integrantes deste cenário, que se tornam espectadores diários de inúmeras perdas significativas, situações que podem ser bastante desorganizadoras para o tutor enlutado. “Presenciar continuamente essas vivências também nos convoca a refletir sobre nossas perdas e nossa própria finitude”, mencionam.
Irritabilidade, fadiga, dificuldade de concentração, cansaço extremo, desmotivação, insônia e negativismo são alguns sintomas de problemas de saúde mental
Em casos de luto
A psicóloga, especialista em Teoria, Pesquisa e Intervenção em Luto, com foco nas manifestações do luto antecipatório pela iminência da morte do animal de companhia, que trabalha como psicóloga hospitalar e clínica, dando suporte psicológico em situações de perdas e de luto pessoais e profissionais, na área veterinária, Joelma Ruiz, também faz parte do Psiconvet e conversou com a equipe da CG.
Como lembrado por ela, não só os veterinários lidam com questões de saúde mental, mas todas as pessoas que possuem um pet também, principalmente quando os animais partem. “O luto traumático, acompanhado de memórias perturbadoras quanto ao processo do adoecer e as circunstâncias da morte do animal, produzem vivências muito dolorosas nos tutores. “Embora o luto traumático possa ser considerado um fator de risco para o suicídio, não há como considerá-lo como fator determinante, uma vez esta condição é considerada um fenômeno multifatorial”, elucida.
Outras condições também podem ser disparadoras, segundo a psicóloga, como, instabilidade psíquica, vivência de várias formas de violência, uso e abuso de substâncias psicoativas, preconceitos, vulnerabilidade socioeconômica, etc. “Compreender a complexidade deste fenômeno é importante para acolher o luto daqueles que ficam”, destaca.
Assim, Joelma salienta a importância de veterinários e tutores de pequenos animais realizarem psicoterapia diante de fases difíceis. “Apoiamos que o médico-veterinário compartilhe o estresse e a frustração, vivenciados no ambiente de trabalho, com profissionais psicólogos e psicoterapeutas. Afinal, cuidar de quem cuida se faz necessário para que o veterinário mantenha sua potência de cuidados”, argumenta.
Na terapia do luto, conforme explicado pela profissional, a expressão e o reconhecimento da dor da perda têm o objetivo de ajudar o tutor/veterinário a dar um novo significado à sua realidade (pessoal ou profissional), dando suporte para que as memórias dolorosas não sejam perturbadoras ou incapacitantes.
A psicóloga lembra que o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio foi estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 10 de setembro, para colocar em foco este grave problema, que também é de saúde pública, e contribuir para a redução do tabu e do preconceito pela morte por suicídio. Ela considera válido abordarmos a temática: “Falar de forma aberta sobre suicídio é fundamental para conscientização pública. No entanto, é necessário que esta fala seja enunciada de forma segura, respeitosa e por profissionais especializados, pois há de se pensar nos familiares enlutados pela morte por suicídio”, enfatiza.
Alguns serviços que podem ser úteis:
Centro de Valorização da Vida (CVV) – Disque 188 ou via chat em www.cvv.org.br
Pode Falar – www.podefalar.org.br
Mais sobre o grupo
O Psiconvet tem como trabalho dois objetivos principais: discutir como se dá a interação dos veterinários e tutores em sofrimento pela condição de saúde de seus animais e dar oportunidade aos veterinários participantes em expressar suas frustrações e conflitos relacionados ao trabalho, bem como proporcionar reflexões sobre como essas adversidades impactam sua atuação laboral.
O grupo foi fundado em 2013 por profissionais interessados nas interações humanas, no contexto da Oncologia Veterinária e, atualmente, conta com a participação voluntária de cerca de 20 pessoas.
O grupo reitera que veterinários que enfrentam excesso de cobrança (dos clientes, da empresa, além da auto-cobrança), rotinas com elevada carga horária no atendimento de pacientes instáveis e críticos (muito comum em Oncologia Veterinária), condições de insegurança e desvalorização profissional, falta de tempo e dedicação ao autocuidado e ao lazer, bem como compaixão excessiva aos pacientes podem ser disparadores para depressão e Síndrome de Burnout e, por isso, devem procurar ajuda psicológica, seja para evitar ou tratar estes quadros.
Fonte: Revista Cães&Gatos