BLOG – Fluidoterapia na clínica de pequenos animais
A fluidoterapia é uma das principais e mais importantes ferramentas terapêuticas disponíveis em clínicas para cães e gatos para diminuir a mortalidade e os danos teciduais.
Ela tem como objetivos:
- Correção de distúrbios hidreletrolíticos e acidobásicos
- Restauração da volemia
- Manutenção da homeostase
Importante ressaltar que para a instituição da fluidoterapia a avaliação do histórico do paciente através da anamnese, os achados ao exame físico e ainda, resultados de exames complementares, determinarão a necessidade da mesma.
Sendo que a terapia deve ser individualizada e reavaliada e, possivelmente, reformulada de acordo com as mudanças do estado de cada paciente.
A escolha do tipo de fluido, volume a ser infundido, via de administração e velocidade de infusão, deve ser baseada no estado e necessidades do paciente, condições de base, curso da doença (se aguda ou crônica), alterações ácido-básicas e hidroeletrolítica, nas pressões oncóticas e hidrostáticas e em possíveis comorbidades.
Todos os pacientes devem ser avaliados quanto a três tipos de distúrbios de fluidos: alterações no volume, alterações no conteúdo e/ou alterações na distribuição.
Uma vez que uma expansão volêmica desnecessária pode acarretar em congestão sistêmica e/ou pulmonar, muitas vezes piorando a condição do paciente.
Principais indicações para fluidoterapia
Hemorragia
A reposição volêmica adequada, nos casos de hemorragia, pode diminuir a mortalidade e reduzir a necessidade de transfusão sanguínea.
O Advanced Trauma Life Support, preconiza que todo paciente vítima de traumatismo, com suspeita de hemorragia e hipotensão, seja tratado com infusão de líquidos isotônicos antes de um possível procedimento cirúrgico.
Hipovolemia
Pode provocar graves alterações hemodinâmicas, sendo assim, é uma das principais indicações de reposição de fluido. As principais causas são perdas gastrointestinais, hemorragia, perda urinária através de poliúria e vasodilatação.
Desidratação
É a perda de líquido intravascular e intersticial e é reconhecida, clinicamente, pela perda de elasticidade cutânea (perda do turgor cutâneo), enoftalmia, ressecamento de mucosas e perda de peso corporal.
As principais condições que levam à desidratação são: diarreia, êmese, traumatismo, sudorese excessiva, obstrução do trato gastrintestinal, peritonite, pleurite, pancreatite e poliúria.
Porcentagem (%) de desidratação e achados ao exame físico |
Desidratação | Alterações ao exame físico |
Discreta (5%) | Discreta diminuição do turgor cutâneo. Ausência de enoftlamia e mucosas pouco ressecadas |
Moderada (8%) | Perda moderada do turgor cutâneo, mucosas ressecadas, enoftalmia, pulso rápido e fraco |
Intensa ou grave (> 10%) | Grande perda de turgor de pele, enoftalmia acentuada, mucosas secas, hipotensão, alteração no nível de consciência, pulso filiforme e taquicardia. |
Modificada de Davis H et al
A desidratação pode ser classificada, de acordo com a osmolaridade do líquido corporal remanescente em: hipotônica, isotônica ou hipertônica.
A desidratação isotônica ocorre quando há perda de água e eletrólitos na mesma proporção.
Quando as perdas de eletrólitos superam a perda de líquidos existe a desidratação hipotônica, e essa condição está associada à diarreia secretória profusa e/ ou a vômitos.
Já quando a água é perdida em maior proporção que os eletrólitos, a desidratação é considerada hipertônica.
O cálculo do volume de reposição se dá pela seguinte fórmula:
Peso corporal (kg) × % de desidratação × 10 = volume (mℓ) para correção
Tipos de fluido
São classificados em colóides ou cristalóides:
Colóides
Os coloides podem conter produtos, por exemplo, amidos, dextranos ou gelatinas ou substâncias naturais, por exemplo, albumina ou plasma fresco congelado- PFC, com capacidade de atrair líquidos para o espaço intravascular, restaurando a volemia.
Os coloides têm água e moléculas maiores e um custo mais elevado comparativamente aos cristaloides
Tipos de soluções coloides:
- Albumina 20%;
- Hidroxietilamido (Voluven®6%): soluções sintéticas coloidais modificadas a partir da amilopectina;
- Gelatinas: produzidas a partir de colágeno hidrolizado de bovinos, com efeito expansor entre 4 e 6 horas. Existem diferentes preparações e diferentes concentrações de eletrólitos;
- Dextran: polímeros de glicose produzidos a partir de bactérias cultivadas em meio de sacarose.
Cristalóides
Têm água e pequenas moléculas (solutos com eletrólitos e sem eletrólitos) que podem se deslocar facilmente quando introduzidas no corpo, atuando principalmente nos compartimentos intersticiais e intracelulares.
Cristalóides isotônicos, por exemplo, NacL 0,9% e Solução de Ringer Lactato, são muito usados na medicina veterinária, têm osmolaridade semelhante ao plasma.
Cristalóides hipertônicos e hipotônicos tem maior e menor osmaloaridade, respectivamente, comparativamente ao plasma.
Tipos de soluções cristaloides:
- Solução fisiológica de cloreto de sódio a 0,9%;
- Ringer com Lactato;
- Ringer Simples;
- Solução Glicosada a 5%.
Parâmetros empíricos para eleição de fluido |
Condição | Tipo de desidratação provável | Possíveis anormalidades | Tipo de Fluido |
Diarréia | isotônica/hipertônica | hiponatremia? acidose? | Ringer Lactato
NaCl 0,9% |
Vomito (intestinal) | isotônica /hipertônica | hipocalemia/acidose | Ringer Lactato
NaCl 0,9% |
Vomito (estomacal) | isotônica /hipertônica | Hipocalemia
hipocloremia/alcalose |
NaCl 0,9% |
Insuficiência Renal | Isotônica
Hipetônica (vômito) |
acidose | Ringer Lactato
NaCl 0,9% |
Insuficiência Hepática | isotônica /hipetônica | hipocalemia ? | Glicofisiológica
NaCl 0,9% |
Obstrução Uretal | isotônica /hipetônica | hipercalemia/acidose | NaCl 0,9% |
Diabetes Mellitus | hipertônica | acidose, hipocalemia hipofosfatemia | Ringer Lactato
NaCl 0,9% (choque) |
Choque hipovolêmico | isotônica | acidose lática | NaCl 0,9% |
Anorexia | isotônica | hipocalemia ? | Ringer Lactato
NaCl 0,9% |
Vias de administração de fluidos
As vias de administração de fluido são:
- Via Intravenosa – é a mais utilizada e indicada para animais em desidratação grave, situações emergenciais, permite rápida expansão de volume
- Intra-óssea – excelente alternativa à intravenosa em pacientes pequenos, filhotes, com colapso de veias (muito desidratados). Considera-se que os fluidos administrados intra-ósseo caem diretamente na corrente sanguínea
- Subcutânea – prática e barata. Não tem indicação de uso em animais com vasoconstrição periférica e muito desidratados, hipotensos e hipotérmicos
- Oral – é a mais fisiológica e deve ser empregada em pacientes sem vômito, mesmo naqueles que estão recebendo fluído por outras vias. Qualquer tipo de fluido pode ser empregado. Não deve ser a única via em pacientes muito desidratados
E para saber mais sobre a Fluidoterapia para pequenos animais ou outros tipos de tratamentos, é só se cadastrar na Vetsapiens.
Bibliografia:
Davis H, Jensen T, Johnson A, Knowles P, Meyer R, Rucinsky R et al. 2013 AAHA/AAFP fluid therapy guidelines for dogs and cats. Journal of the American Animal Hospital Association. 2013; 49(3):149-59. Epub 2013/05/07.
Glaser NS, Ghetti S, Casper TC, Dean JM, Kuppermann N. Pediatric diabetic ketoacidosis, fluid therapy, and cerebral injury: the design of a factorial randomized controlled trial. Pediatric Diabetes. 2013; 14(6):435-46. Epub 2013/03/16.
Matsuda Y, Sakurai T, Iino M, Nakayama K. Comparative study on the effects of acetated Ringer’s solution, lactated Ringer’s solution, Ringer’s solution, and 5% glucose–acetated Ringer’s solution on canine hemorrhagic shock. Journal of Anesthesia. 1994; 8(3):326-33. Epub 1994/09/01
Vassar MJ, Fischer RP, O’Brien PE, Bachulis BL, Chambers JA, Hoyt DB et al. A multicenter trial for resuscitation of injured patients with 7.5% sodium chloride. The effect of added dextrana 70. The Multicenter Group for the Study of Hypertonic Saline in Trauma Patients. Arch Surg. 1993; 128(9):1003-11; discussion 11-3. Epub 1993/09/01.
Sumpelmann R, Witt L, Brutt M, Osterkorn D, Koppert W, Osthaus WA. Changes in acid-base, electrolyte and hemoglobina concentrations during infusion of hydroxyethyl starch 130/0.42/6: 1 in normal saline or in balanced electrolyte solution in children. Paediatric Anaesthesia. 2010; 20(1):100-4. Epub 2009/12/09.