Polícia investiga fraudes em enterros e cremações de animais de estimação
Nove empresas suspeitas são alvos de aplicarem golpes, que prometem enterros e cremações que não se concretizam
Por nove anos a cadelinha Tchuquinha encheu de afeto a vida de sua tutora, uma bancária, de 36 anos. Depois de superar um câncer, o pet não resistiu a uma nova doença em abril deste ano. Em meio à dor da perda, ela foi aconselhada pela clínica veterinária a contratar uma empresa para fazer a cremação. Pagou R$ 200 pelo serviço e, após alguma insistência, recebeu o certificado de destinação final do animal. Mas, ao identificar informações contraditórias no documento, ela procurou a Delegacia de Proteção do Meio Ambiente (DPMA).
A investigação mostrou que o pet da bancária não foi levado para o crematório descrito no certificado. E, para a polícia, o caso não é um fato isolado. Segundo o delegado Wellington Vieira, da DPMA, nove empresas suspeitas de fraudar enterro ou cremação de animais de estimação são investigadas. Enquanto a polícia busca provas contra os acusados, a tutora de Tchuquinha convive com a angústia de não saber o que foi feito com o corpo do animal. A cadelinha foi presente do pai da bancária.
O que me deixa mais estarrecida é quando me pego pensando onde está o corpinho dela. Meu pai a pegou na rua, cuidou mais dela do que dele próprio e, no fim, quando ele não conseguia mais sair da cama, ele pediu para que eu ficasse com ela, como se fosse um último presente — contou a tutora, que pediu para não ser identificada.
Enterro ‘tchibum’
O delegado disse que a suspeita é que tenha ocorrido um descarte irregular do corpo, aliado à cremação forjada e à falsificação do certificado:
— Tivemos notícias de empresas que enganam o consumidor prometendo cremações ou enterros que não acontecem. Um dos golpes é conhecido como enterro “tchibum”, quando o corpo é jogado em rios ou em caçambas de lixo. Investigamos nove empresas suspeitas.
Outro inquérito apontou irregularidades em remoções de animais mortos. No dia 5 de junho, em uma blitz no Engenho de Dentro, na Zona Norte, policiais militares pararam uma picape, onde encontraram 64 corpos de pets na carroceria. Todos os animais estavam embrulhados. Na delegacia, o motorista contou que estava a caminho do crematório Memorial do Amigo, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e que tinha recolhido os animais em clínicas veterinárias nas zonas Norte e Sul da capital.
A polícia verificou que o crematório citado pelo motorista tem autorização de funcionamento da vigilância sanitária do município, mas que ele não tinha licença do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) para fazer o transporte intermunicipal deste tipo de resíduo. Por isso, o motorista e outras duas pessoas da instituição foram indiciados por exercício de atividade potencialmente poluidora sem licenciamento. Em caso de condenação, a pena vai de um a três anos de detenção.
Sócio do crematório, Paulo Cesar Pereira disse que a empresa já está regularizada. Segundo ele, diante das fraudes que vêm sendo verificadas, os certificados de destinação final dos animais emitidos pelo crematório têm agora um QR code. Assim, o tutor poderá conferir as informações contidas nos documentos ou entrar em contato com a empresa.
Na cidade do Rio, há apenas três locais autorizados pelo Instituto Municipal de Vigilância Sanitária a fazer sepultamentos suspensos (em gavetas) ou cremações de pets, destinações que evitam a contaminação do solo ou do lençol freático. Um deles é o Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman, na Mangueira, na Zona Norte do Rio. O outro é privado: o Pet’s Garden Cemitério e Crematório, em Guaratiba, na Zona Oeste. Um terceiro, a Sociedade União Internacional Protetora dos Animais (Suipa), tem licenciamento apenas para cremar os animais que morrem na instituição.
De acordo com o Inea, a licença para instalação de crematórios e cemitérios de animais é concedida pelas prefeituras das cidades onde ficam os estabelecimentos. A DPMA informou que hoje há espaços autorizados nos municípios de São Gonçalo, Duque de Caxias, Petrópolis e Maricá, além do Rio. Já a Secretaria estadual de Saúde confirmou que, em Niterói, o crematório da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio (Pesagro), que funciona no Horto Municipal de Niterói, também oferece esse tipo de serviço.
No Jorge Vaitsman, onde há mais de 1.200 gavetas, é possível ver nas lápides o carinho de tutores por seus animais. O espaço está aberto ao público. A gatinha Mila, sepultada em 31 de dezembro de 2021, ganhou a seguinte declaração: “Obrigada pelos 18 anos juntos. Te amaremos sempre”. O cão Ringo foi lembrado assim por seus donos: “O passeio da tarde nunca mais será o mesmo sem você”.
Individual ou coletivo
O Pet’s Garden Cemitério e Crematório faz, em média, dois sepultamentos e dez cremações de animais por dia. No espaço, há 1.600 gavetas. O enterro no solo é proibido porque pode contaminar o lençol freático. Um dos sócios do lugar, Marlos Azevedo, explicou que as cremações individuais podem ser acompanhadas pelos tutores; as coletivas, não. No Jorge Vaitsman só há procedimento comunitário.
De cinco clínicas veterinárias que oferecem o serviço de cremação procuradas pelo GLOBO, duas não informaram para onde levam os animais. As outras citaram os crematórios de Guaratiba e de Itaipuaçu, em Maricá. O processo individual foi oferecido por valores entre R$ 375 e R$ 1.400.
Procurado para comentar a hipótese de destinações irregulares de corpos de animais, Diogo Alves Conceição, presidente eleito do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio (CRMV-RJ), disse que vai se reunir com representantes da Polícia Civil e do Inea para sugerir que veterinários passem a ser contratados como representantes técnicos de cemitérios e de crematórios de pets. Assim, o profissional responderia pelo descarte correto dos corpos.
— O conselho vai solicitar a obrigatoriedade de um veterinário fornecer um atestado de óbito, informando a suspeita clínica do óbito e, principalmente, se era uma zoonose ou não. Temos que ter compaixão e empatia neste momento tão difícil para o responsável pelo pet. Os animais domésticos cada vez mais fazem parte do nosso cotidiano, e muitos deles são tratados e considerados como parte da família — disse.
O que fazer quando seu cao ou gato morre
Clínicas veterinárias costumam intermediar serviços funerários ou indicar uma empresa que faz a cremação ou o enterro. Mas atenção porque poucos lugares têm autorização da prefeitura para dar um destino a animais de estimação mortos.
As empresas que cremam animais oferecem um certificado de destinação final, que tem dados do tutor e do animal. Ao receber o documento, o responsável pelo pet deve verificar as informações. Em caso de dúvida, pode ligar para o Disque-Ambiental, da DPMA: 21-98596-7496. A delegacia tem um cadastro de empresas legalizadas.
A empresa que leva o corpo até o cemitério ou crematório deve ter autorização do Inea caso o transporte seja intermunicipal. Dentro da capital, o transporte de animais mortos não tem regulamentação específica.
Pode ajudar, mas a cremação e o enterro não precisam necessariamente de intermediário. O tutor pode levar o corpo ao Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman, na Mangueira, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, e aos sábados até as 12h. Os preços variam de R$ 19,45 (cremação) a R$ 434,41 e R$ 543,02 (sepultamentos). Em Guaratiba, no Pet’s Garden, a cremação individual custa de R$ 620 a R$ 800, dependendo do peso do pet. Já a coletiva vai de R$ 260 a R$ 450. Sepultamentos ficam entre R$ 600 e R$ 800. Os valores incluem remoções em domicílio, no município do Rio. O serviço pode ser tratado diretamente com crematórios e cemitérios credenciados.
Fonte: O Globo