Blog – Eutanásia – por que é tão difícil para veterinários e tutores?
Por Rosangela Gebara
A decisão pela eutanásia veterinária ainda é considerada um grande dilema ético na medicina veterinária, pois é um processo passivo e unilateral, ou seja, o principal afetado pela ação, o animal, não pode se expressar, não pode participar e decidir acerca de sua própria vida.
Embora nunca saibamos qual seria a opinião do animal se ele pudesse decidir, pode-se tentar aferir o grau de sofrimento, dor, angústia a que está sendo submetido, e se ainda há alguma satisfação em estar vivo.
A decisão sobre realizar uma eutanásia deve ser feita de forma individual, com muita calma, analisando todos os critérios envolvidos e sempre em conjunto com o tutor, com o responsável do animal.
Nunca devemos tentar convencer a todo custo um tutor indeciso, sobre a necessidade realizar a eutanásia de seu animal.
Logicamente, como médicos veterinários, temos a responsabilidade de aliviar, abreviar, sanar o sofrimento do nosso paciente e para isso devemos expor com honestidade e clareza as razões pelas quais acreditamos que o animal precisa ser eutanasiado.
E sempre baseando nossas razões em evidências científicas claras e de fácil compreensão.
Muitos tutores que tomam esta decisão de forma rápida e precipitada, se arrependem depois e terminam por culpar os veterinários.
Muitas vezes é difícil para o tutor entender o nível de sofrimento do animal, pois o apego impede um discernimento mais claro da situação.
Deve-se assim mostrar a real situação, usando analogias e tentando apresentar diferentes pontos de vista, pensando e priorizando somente o bem-estar do animal.
Importante lembrar que apesar de ajudarmos nesta decisão, fundamentando a nossa indicação em critérios médicos e éticos, a decisão final é sempre do tutor ou responsável pelo animal.
Pois é ele quem vai assinar o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) autorizando o procedimento, conforme preconiza a Resolução n0 1000 do CFMV.
Estratégias que ajudam na hora da indicação da eutanásia e da execução do processo
Quando formos indicar a eutanásia veterinária, é importante nos basearmos principalmente em critérios médicos e éticos, pensando sempre no bem-estar do animal e não na dificuldade de diagnóstico, tratamento ou na comodidade do tutor.
Portanto:
- Evite amparar sua indicação em questões de cunho econômico, apesar de existirem situações em que o “não tratamento” por uma impossibilidade econômica, levará o animal a um sofrimento ainda maior.
Estas, porém, são questões muito específicas e complexas que requerem uma análise individual, caso a caso.
- Demonstre sua empatia, tente se colocar no lugar do tutor, e sempre que possível, procure se expressar desta forma: “se fosse o meu animal, eu tomaria esta decisão, pensando no bem-estar dele“.
- Tente ao máximo respeitar as crenças individuais dos tutores, cada um tem sua própria compreensão do que é a vida ou a morte.
Nosso papel neste momento é ser empático e trazer o ponto de vista sobre a qualidade de vida do animal, sobre a doença, sobre o prognóstico, sobre a impossibilidade de cura ou controle da dor.
- Nunca discuta sobre esse assunto em um corredor ou numa sala cheia de pessoas, e nunca o discutir com pressa ou má vontade.
- Procure, de preferência, ter uma sala ou consultório especialmente designado para este fim, em um local mais isolado e calmo da clínica ou hospital.
É preciso um ambiente menos hostil, menos hospitalar, com luz ambiente, mesas ou sofás mais confortáveis, feromônios etc., ou seja, mais acolhedor para o animal e para o tutor.
- Nunca deixe que colaboradores entrem livremente nessa sala, no momento da eutanásia, para falar de outros assuntos interrompendo-o neste momento.
Nunca atenda telefones ou mexa no celular durante o procedimento – o máximo de foco demonstra respeito, imprescindível em um momento tão difícil e doloroso como esse.
- Importante sempre explicar ao tutor todo o processo durante a eutanásia, antes de iniciar qualquer aplicação.
Explique o passo a passo do que vai ocorrer, do que vai aplicar, as vias de aplicação (Ex: 1º ocorre a aplicação intramuscular do sedativo, depois acesso venoso, aplicação da anestesia, por último a aplicação de agente eutanásico) e tire todas as dúvidas que ele tiver.
Para sua orientação, pode utilizar o guia prático de boas práticas para eutanásia do CFMV.
Além disso, conforme indicado pelo próprio CFMV, encoraje o tutor a estar presente junto com seu animal durante o processo, principalmente até a aplicação da anestesia geral.
Alguns estudos demonstraram que os tutores que participaram do processo do começo ao fim, tiveram menos arrependimento do que aqueles que não acompanharam ou simplesmente deixaram o animal.
E como lidar com a decisão pela eutanásia, como profissionais que somos, acostumados a curar?
Quando somos solicitados a fazer uma eutanásia injustificável do ponto de vista médico ou do ponto de vista ético, a chamada “eutanásia por conveniência”, devemos ter em mente, amparados eticamente e legalmente, que não somos obrigados a fazê-la.
Nós também temos nossas crenças, nosso posicionamento ético, que deve ser respeitado, e, portanto, podemos nos recusar a fazer uma eutanásia em um animal se não acharmos que a indicação é correta ou mesmo se não estivermos à vontade para fazê-la.
Neste caso, o ideal é explicarmos o porquê não estamos de acordo com este pedido e tentar convencê-lo do contrário, caso não for possível, podemos indicar ao tutor a procurar outro local.
Por um lado, podemos dizer que é uma vantagem para nós veterinários termos a possiblidade de interromper o sofrimento de um animal que está com uma doença terminal através da eutanásia.
Por outro lado, somos os únicos profissionais da área da saúde que possuem este poder legal, e isso traz um peso emocional muito grande.
Este “peso”, se não bem manejado, pode resultar em Burnout (termo em inglês para a síndrome do esgotamento), uma exaustão emocional bastante deletéria, que na verdade afeta muitos profissionais da área da saúde.
O Burnout, traz consequências físicas e psicológicas que variam entre os indivíduos.
Muitos veterinários desenvolvem sintomas como úlceras gástricas, pressão alta, dores pelo corpo, insônias, apatia, depressão e falta de ânimo, e alguns, infelizmente, chegam até a praticarem suicídio.
Portanto, devemos sempre ficar de olho em nós, em nossos sentimentos e angústias e em nossos colegas de trabalho para tentarmos nos ajudar ou ajudá-los.
Entenda que podemos e devemos procurar ajuda profissional se estivermos passando por uma situação de tristeza e/ou esgotamento e que isso faz parte da complexidade inerente de nossa profissão.
Enfim, o processo de indicação e realização da eutanásia é sempre um processo complexo, e difícil para veterinários e tutores.
Devemos conhecer bem os princípios legais que norteiam essa prática, devemos nos munir de todas as informações e ferramentas possíveis para decidirmos e realizarmos o processo de eutanásia da maneira mais científica e ética possível.
Por fim devemos nos lembrar que a eutanásia veterinária é mais uma ferramenta de bem-estar, pois interrompe o sofrimento de um animal ou uma vida futura com baixíssima qualidade.
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